Estou além do tempo,
além da infinita espera em que me afundo e
há sombras que me engolem neste mundo
trevas em que habito e de que me alimento.
E o sonho continua
continua a inconstante maré de negras vagas
que me assolam o tempo e criam chagas
na minha pele asperamente nua.
Nua a alma, também ela
se estende no tempo e no espaço
na busca incessante de um abraço
que mate esta incerteza dentro dela.
Incerteza do ser ou do
não ser ou viver segundo as normas
que o tempo determinou ao ritmo das marés
que devagar invadem todo um corpo a fenecer.
Fenecendo em dor de amor que não
deveria assim doer… sendo amor deveria ser
sonho, magia, beijo, rosa, flor.
Lembras-te das rosas? Eram lindas, sim.
E o sonho que as guardava continua a incomodar-me,
a fazer ressurgir esta ansiedade
profundamente inscrita a luz carmim.
Inscrita no meu peito, no receio de amar
num sonho mal gerado em pensamentos de
versos, serenatas ao luar…
Era o medo, esse espectro podre
disfarçando emoções que ocultei.
Sim, ocultei, em cantos e quebrantos.
E chorei essas mágoas, esses restos
de amplitude e amor em mim
que te dediquei na juventude
e que nem na velhice têm fim.
Felipa Monteverde
Rasga-se a alma em mim.
Dentro do peito o mar, a sede destas lágrimas
em que branqueio fados e o luar
e recordo as rosas e as palavras.
Palavras que disseste, rosas que não me ofereceste
sentimentos diversos que abrigaste
no peito onde outrora te escondeste.
Mar. É o mar este sentido,
esta forma de te ver em mim guardado,
cravo no meu peito, sonho e sombra
que me assalta o tempo e rouba a fé
em lembranças de um mal, mal disfarçado.
Disfarçado em espera, em sonho adormecido
numa alma que esqueceu a eternidade
das coisas em que outrora acreditou.
Felipa Monteverde
E o sol queimou desejos já sentidos, enquanto
alumiava um rosto triste que deixei na
praia olhando o mar, esperando ver aparecer no
horizonte o navio em que partiste.
Partiste. Partiste.
Foste embora, eu sei, porque quiseste.
A sede de aventuras que sentias
fez-te esquecer o que me prometeste.
Ó sonho vão, ó mares já passados por
todo o tempo em que naveguei,
vós sois sonhos perdidos em que ocultei
o medo de amar versos rasgados.
Felipa Monteverde
Ondas do mar, quem sois vós dentro de mim?
Porquê estas vagas de sentidos
que me assaltam e me puxam para o fundo
de um corpo que habitei e era fim?
Fim de tudo, de ti e de mim e deste mar
onde descobri falsas esperanças
entre sonhos que partiram deste cais.
Cais de nostalgias, de cobardes sensações que
não esqueço, latitudes infinitas destas tardes
em que espero um sonho vão ou um começo.
Um começo… ou então recomeçar
a ver o que já vi e não entendo
que o tempo é só um sonho que dormi
no leito de incerteza em que me estendo.
Estendo a alma, acalmo esta tensão
que me assola o peito e intensifica as lágrimas
marés das altas vagas em que o sonho
é sempre o tempo que cá fica.
Fica aqui, a envelhecer o rosto que outrora
foi mulher amada, numa quieta e quente madrugada
que durou até o sol já se ter posto.
Felipa Monteverde
Busco o tempo, o sentido que daria
ao mar em que navegam os meus sonhos
aos sentidos que o tempo me aquecia.
E eu dormia só, abraçada
aos sonhos e lembranças de quietas e
suaves madrugadas, em que
os passos que te ouvia eram danças.
Danças de sossego e solidão, serenatas
dirigidas ao imaginário fado em que habito,
vãs marés em que ondeio, vagas de
intempéries em que me acostumei a
nada ser a não ser este inconcreto sentimento
de nada de ti ter ou receber.
Sonhos são estranhas fantasias
em que o medo se disfarça e se pretende
ser objeto ou entrave para a vida
que ninguém espera em si ou a si prende.
Felipa Monteverde
Quiçá um dia já te vi
prisioneiro das marés onde jazias
navegante de maus sonhos, fantasias
em que outrora te esqueci, quando eram
noites e eram dias de amar… e não sabias.
O tempo nada é.
As marés em que ondeio sabem sal e
nada me conjuga as palavras em que
habito, nas razões de bem e mal.
Mal da vida em que te cri, prisioneiro
dos meus sonhos, dos meus medos
em que cativei todas as ondas
ao redor de tantas praias e rochedos.
Mas o tempo nada é, só
o bom que existe em ti eu aguardei
entre mares de marujos e navios que
fantasmas me encostam ao sentido,
mal menor que não sinto ou rejeitei.
Felipa Monteverde